E de sentir, compreendemos




Encarando a janela do carro, eu olho pra um lugar que talvez nem mesmo exista. É um daqueles dias ensolarados que eu sempre detestei. Uma música nostálgica ecoa em meus ouvidos, mas não é como se alguma coisa nela fizesse sentido "Here comes the sun, duh, duh, duh, duh". Músicas deveriam fazer as pessoas se sentirem melhor, pelo menos foi isso o que eu passei a minha vida toda escutando, no final das contas, parece que eu fui enganada. Penso que deveria estar chovendo hoje; igual ao dia em que tivemos nossa primeira grande briga, mas que fomos obrigados a continuar nos encarando no silêncio porque a tempestade lá fora era forte demais pra que você ou eu saísse desenfreado pelas ruas, e talvez porque essa não era mesmo nossa vontade. Aquele dia percebi que você era diferente, que tinha que ser você.

Sempre odiei trânsito, hoje odeio ainda mais. Se eu não estivesse aqui, parada nesse congestionamento infernal em plena segunda-feira de manhã, não necessitaria pensar tanto sobre o que dissemos naqueles últimos dias. Iríamos nos casar, esse era o plano. Se eu conseguisse chegar logo no trabalho minha mente logo seria ocupada por outras idéias, mas não é como se algum carro tivesse se movido um centímetro nos últimos trinta minutos. Se eu tivesse aceitado sua carona naquele dia, talvez hoje eu não estivesse aqui assim, sozinha, pensando em coisas que nunca chegaremos a ser. Eu poderia estar junto de você, ou melhor, nós poderíamos ter tomado outro caminho e nada teria te acontecido.

Essa noite eu sonhei com você, parecia como nos velhos tempos, nós tivemos uma longa conversa, discutimos o filme ridículo que tínhamos acabado de assistir, entramos num carro e eu não me lembro de mais nada. Só sei que acordei e você ainda não estava lá. Foi a primeira vez que chorei desde que eu soube de tudo, talvez porque não havia ninguém lá pra me ouvir e tentar fazer o que aconteceu menos do que realmente foi. Talvez porque foi o momento em que eu percebi que ninguém nunca vai entender tudo aquilo. O vazio do seu lado da cama permanece, seu travesseiro impecavelmente arrumado desde o dia em que você saiu também. Durmo porque necessito parar de pensar por alguns instantes, me levanto porque até meus sonhos você tem invadido desde de que deixou a minha vida. "Segunda feira não é um dia certo pra usar o carro", era isso o que você vivia me dizendo. Hoje tomaríamos café na padaria da esquina do seu trabalho. Você me daria um beijo na testa desejando um bom dia. Já se passaram 6 semanas, nosso dia estaria cada vez mais perto. Uma curva errada, um piso em falso.

Deveria ser numa sexta feira, eu e você, cabelos grisalhos, não deveria ter sido segunda; sempre as odiei, não foi o que eu planejei. Teríamos tido 5 filhos, todos com nomes que levamos horas repensando. Nós escolheríamos juntos a escola que eles viriam a frequentar. Teríamos que nos mudar pra uma casa maior, contudo, agora meu velho apartamento de apenas um quarto e pisos horríveis parece suficiente, ainda mais quando olho para o lado vazio de meu guarda roupa, aquele que você começaria a preencher em breve. Sempre odiei segundas-feiras, você me fez aprender a gostar, hoje odeio-as ainda mais.

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